Riscos e Recompensas

Eu sabia que Touka tinha razão em grande parte do que dizia, mas isso não aliviava a irritação que crescia em mim a cada palavra que saía da boca dela.
"Me envolvi por nada? E aquele papinho de 'me ajuda, eu não fiz nada' lá no começo? Eu só estava tentando distrair o cara, não estava interessado nos negócios sujos daquele pirata..." Falei irritado, sentindo o calor da frustração subir. Ela estava sendo injusta, jogando toda a situação nas minhas costas como se eu fosse o único culpado.
Enquanto a observava se afastar, um barulho alto vindo do porto quebrou minha linha de pensamento e desarmou a minha irritação, como se cristais estivessem se despedaçando no ar. Um brilho ametista cintilava, dissipando a névoa e revelando lentamente o cenário ao nosso redor. A verdade é que eu já imaginava o que havia acontecido com aqueles piratas, mas, para ser honesto, não sabia ao certo. E naquele momento, não tinha certeza se queria saber. Havia algo cruel e definitivo naquele brilho, como se o destino daqueles homens tivesse sido selado de forma inevitável.
Eu respirei fundo, mais calmo, mas ainda lutando para controlar a frustração que se misturava com a necessidade de continuar em frente. "Olha, eu sou caçador de recompensas, não é como se estivéssemos em lados opostos, certo? Eu literalmente acabei de chegar nessa ilha, só estou precisando de um norte... Talvez você pudesse me apontar um."
Falaria para Touka enquanto acelerava o passo para segui-la pelo cais , tentando manter minha voz firme, sem deixar transparecer toda a confusão interna que sentia.

Touka parou abruptamente, virando-se para mim com impaciência nos olhos, como se estivesse prestes a explodir se eu demorasse mais um segundo para responder. Ela ofereceu três opções, todas com suas armadilhas, mas eu sabia que precisava escolher com cuidado. Respirei fundo, ponderando cada uma delas por um momento.
"Caçar animais perigosos... Isso parece suicídio, não posso persuadir um animal a não me atacar, eles não caem em truques ou blefes. Ser segurança? Passar o dia todo atrás de alguém que nem conheço? Deve ser um trabalho tão tedioso que eu provavelmente ficaria maluco em uma hora."
A verdade é que eu nunca fui o tipo de pessoa que gosta de seguir os outros ou se meter em brigas com criaturas selvagens. O perigo não me incomoda, mas prefiro enfrentá-lo com algo mais do que apenas força bruta. Eu precisava de uma opção onde pudesse usar o que sei fazer de melhor: Improvisar, enganar e aproveitar os momentos.
Finalmente, levantei a cabeça e encontrei o olhar impaciente de Touka. "Vou atrás dos criminosos," anunciei com um sorriso que beirava a arrogância. "Piratas, é claro! Para manter o dia interessante."
Eu poderia ter parado de falar nesse momento, apenas aguardar pela resposta de Touka. Mas em vez disso, algo me ocorreu—uma ideia tão ousada que eu quase ri antes de falar. "Mas se você quer que eu tenha sucesso nessa missão... não teria uma arma sobrando aí para me emprestar? Afinal, se vou caçar criminosos, seria ótimo ter algo a mais para confiar além do meu jogo de cintura."
A pergunta sairia antes que eu pudesse me segurar, ao mesmo tempo em que eu levantava a mão com a palma aberta, esperando seja lá o que for que ela pudesse me entregar. Eu já podia imaginar o olhar dela ao ouvir meu pedido. Mas eu não estava exatamente em posição de ser tímido ou modesto. Afinal, uma ajuda extra nunca faz mal, especialmente quando você está prestes a enfrentar criminosos em uma cidade que nem conhece.

Touka apenas balançou a cabeça, sem a menor intenção de me atender. Claro que não, ela não precisava de armas, e eu, ao que parecia, também não receberia nenhuma. Antes que eu pudesse insistir ou perguntar sobre a localização do bar, ela sumiu em meio as partículas brilhantes de ametista da mesma forma que eu havia visto antes no porto. Era fascinante e assustador ao mesmo tempo. Ela estava realmente em um nível muito além do meu.

Certo então! Vamos encontrar esse tal de Tenente Raposo!

Nunca tinha colocado os pés no Bar do Capitão Marujo, mas as histórias que ouvi dos meus amigos da ilhota sobre aquele lugar eram quase lendárias. Diziam que o coquetel de gás, famoso na Ilha de Gás, era uma explosão de sabores—e eu sempre imaginei se esse "gás" era só uma referência ou se havia algo a mais. Pelo menos, parecia o tipo de lugar que eu deveria conhecer.
A verdade é que, mesmo sem saber a localização exata, eu sabia que não seria difícil de encontrar. Lugares como esse têm uma maneira de chamar atenção, seja pelo cheiro de comida no ar ou pelo barulho das conversas animadas. Além disso, se tem uma coisa que eu aprendi desde pequeno, é que perguntar nos lugares certos geralmente te leva onde você precisa estar.
Eu andaria a caminho dos lugares mais movimentados que visse, atento a conversas, placas, sinais, etc. qualquer coisa que fizesse menção ao bar do marujo.

“Bar do marujo... eu tava mesmo precisando de uma bebida”

Se a procura pelo bar fosse mais difícil do que eu achava, perguntaria as pessoas que passassem por mim sobre a localização, sempre de forma amistosa e com um sorriso no rosto:
“Com licença senhor(a), poderia indicar o caminho do Bar do marujo? Tenho um amigo esperando por mim lá”
Perguntaria para pelo menos duas pessoas. Se as instruções não fossem iguais, perguntaria a uma terceira para desempatar.

Ao ver os marinheiros praticamente correndo para dentro do bar, percebi que havia algo urgente poderia estar acontecendo.
“Esses caras parecem desesperados para encontrar o Tenente... Bom, espero que seja o tal do Raposo”
Eu não sabia exatamente no que estava me metendo, então tomaria uma ação mais discreta.
“É melhor entrar no sapatinho, vamos ver como está o movimento lá dentro”
Entraria no bar de maneira casual, como se estivesse apenas procurando uma bebida depois de uma longa caminhada. “Um coquetel de gás até cairia bem”, pensaria com um leve sorriso.
Uma vez dentro, deixaria os olhos passearem pelo ambiente, sem pressa. Tentaria observar a quem os marinheiros estavam se reportando, procurando um lugar onde pudesse escutar o que estava acontecendo.
Escolheria um ponto mais afastado, talvez uma mesa vazia ou um canto próximo ao balcão. De onde estava, tentaria captar pedaços da conversa dos marinheiros. O som ambiente do local talvez dificultasse bastante essa idéia mas, com um pouco de sorte, alguma informação útil poderia chegar até mim seja sobre o tal tenente, o motivo da urgência, ou algo sobre a ilha em si.
Enquanto fingia estar interessado em qualquer coisa que não fosse a missão, minha mente estava em alerta. Se ouvisse algo interessante, tentaria ligar os pontos para criar uma abordagem mais precisa. Se não conseguisse pescar nenhuma informação útil, esperaria o momento certo para me aproximar com a confiança e calma que aprendi a ter na vida:
“Capitão Raposo? Fui enviado por uma amiga em comum, talvez tenhamos algum assunto para conversar.”
Mas, se percebesse que o tenente estava prestes a sair, o que seria provável dada a urgência de seus marinheiros, seria hora de agir. Eu me levantaria e o chamaria, com um tom de voz mais alto e mais apressado que o normal, afinal precisaria chamar a atenção dele:
“Capitão Raposo! Touka me enviou, é sobre os criminosos da ilha!”.

O ambiente do bar estava caótico, repleto de vozes, risadas, e a música alta que fazia o chão vibrar. A tarefa de ouvir o Tenente Raposo estava impossível e na tentativa de me concentrar nele, acabei ignorando o velho Barman que me recepcionava.
Quando o Tenente finalmente dispensou os marinheiros e começou a se mover, vi a oportunidade. Chamando a atenção dele ao mencionar o nome de Touka, consegui que ele voltasse à mesa. A forma como ele reagiu ao nome dela já deixava claro que a relação entre os dois não era das melhores.
Enquanto ele tomava os dois shots de uma vez, olhei para os copos diante de mim. Decidi entrar no jogo. "Obrigado!", falei para a garçonete, levantando um dos copos em sua direção antes de beber em um só gole, sentindo o líquido descer quente pela garganta.
“Eu tava mesmo precisando disso”
Meus pensamentos rapidamente se alinharam. Eu estava conversando com um Oficial da marinha que teoricamente tinha os mesmos objetivos que os meus, eu não tinha a necessidade de mentir sobre algo. Porem optei por uma história um pouco mais “conveniente” para a minha moral, no fim das contas não era como se eu tivesse contando mentiras, afinal.
"Meu nome é Tarkis, prazer. Digamos que eu dei uma pequena ajuda a Touka para acabar com os piratas que estavam no porto,"
comecei, mantendo o tom casual e amigável.
"Acredito que vai saber mais sobre isso ao sair do bar, se é que já não sabe. Inclusive, temos que conversar sobre a recompensa, ela virou cristal antes de acertarmos as coisas..."
Mais uma vez eu imaginava que esses pequenos blefes não me trariam nada no fim das contas, minha cara de pau era muita para não tentar.
Sabia que ele não me daria tempo infinito para falar o que eu quisesse, então caso ele ficasse impaciente eu aumentaria o ritmo e o tom de minhas palavras. " ela me pediu para vir aqui encontrar o senhor, graças ao meu bom desempenho." Continuei, pegando o segundo copo e virando-o sem hesitar, "Talvez eu possa colaborar na captura de alguns criminosos dessa ilha."
Observaria a reação dele enquanto o álcool fazia efeito, tanto em mim quanto nele. "Seus marinheiros parecem estar agitados e o senhor parece com pressa," acrescentei, tentando não o dar a opção de negar minha ajuda, "Então, para onde estamos indo?" Aguardava sua resposta, preparado para seguir o fluxo dos eventos, seja lá qual fosse a direção que isso tomaria.